O que cabelo tem a ver com racismo?
Categoria » Mulher Negra

Hoje me deparei com o seguinte comentário nessa rede social de meu Deus: “O que tem a ver racismo com mandar a Blue Ivy pentear o cabelo?
Bom, vamos por partes né? Embora muita gente não saiba (nem sei se ela sabe), mas a Beyoncé é negra (OOOHHH). Sério, ela não é moreninha, café com leite, queimadinha, mulata e outros eufemismos que vocês acham interessante usar porque acham que é muito pesado dizer que uma pessoa é de fato NEGRA. Jay Z também, mas isso ninguém discute porque a negritude dele é indisfarçável.
Logo, Blue Ivy nasceu com cabelos crespos… cabelos esses que crescem pra cima e acreditem não há nada de monstruoso nisso.
Logo, Blue Ivy nasceu com cabelos crespos… cabelos esses que crescem pra cima e acreditem não há nada de monstruoso nisso.
Querer submeter um bebê a padrões estéticos eurocêntricos é querer que ela esconda suas origens, porque essas são aparentemente não convencionais e não encontro outra palavra pra definir que não seja racismo.
Uma amiga em um post do seu Blog Reapresentando Cores usou um termo interessante: “Ativismo de Cabelo”. Muita gente pode não entender a necessidade de estarmos o tempo todo afirmando que cabelos crespos não necessitam ser “domados”, não estamos carregando nenhum animal raivoso em nossas cabeças (às vezes eu queria que ele fosse pra abocanhar pessoas que acham certo criar uma petição online para pedir que uma criança de 2 anos penteie seu cabelo). Falaram para “pentear para baixo”, “prender com um arquinho”. Bom, vou contar pra vocês a realidade de uma criança de cabelo crespo, vou contar a realidade que graças a Deus não é a da Blue, caso fosse não causaria tanto incômodo. Nossas mães na tentativa de deixar com a aparência que determinaram como “boa”, penteavam nossos cabelos muitas vezes a seco, causando uma tremenda dor, desembaraçavam e prendiam todo pra trás, nossos olhos chegavam a ficar puxados. Mas okay, nosso crespo socialmente inaceitável, estava domado, era o que esperavam da gente até que chegasse uma idade onde finalmente poderíamos fazer usos de químicas altamente corrosivas, ferros quentes e assim tentassem embranquecer nossos traços.
Recebo mensagens de amigas professoras falando que cada vez mais cedo percebem que as mães buscam procedimentos químicos para alisarem ou relaxarem os cabelos de suas crianças. Eu acho um ato criminoso, porque além de fazer mal a saúde, faz mal a identidade. Essa criança vai crescer entendendo que alisar é o procedimento padrão, que é tão natural quanto se alimentar. Por isso muita gente não considera racismo falar de cabelo, diz que é questão de gosto. Não é estranho ser senso comum considerar justamente um determinado tipo de cabelo como ruim? Não é estranho que o bom seja aquilo que seja mais próximo de uma característica branca?
Sabemos que a população negra enfrentam vários outros desafios sociais, que muitos consideram essa questão de cabelo como secundária ou como algo que nem há necessidade de ser abordado. Mas o corpo é aquilo que somos e essa relação precisa ser bem desenvolvida. O racismo desumaniza, nos faz criar rejeição pelo nosso próprio corpo. Os padrões de beleza cerceiam a liberdade a ponto de atingir uma criança que não deve ter preocupação com cabelo ou qualquer outra coisa. Que mais mães tenham consciência de que o cabelo tem forte significado na construção da identidade da pessoa negra. Que ninguém mais tenha que se envergonhar pelo seu corpo livre de padrões.
E sim, seremos ativistas de cabelo enquanto for necessário
Lei 10639/03 e outras
Projeto estimula crianças a valorizarem a beleza negra em Viçosa

Idealizadora chegou a ter o cabelo cortado por se recusar a fazer chapinha.
Crianças e adolescentes participam de ensaio fotográfico.
Transformar o sofrimento em lição de vida e utilizá-lo para combater o preconceito. Foi assim que a estudante de 23 anos, Raissa Rosa, criou o projeto “Perólas Negras”, da Organização Não Governamental (ONG) Casa Cultural do Morro, em Viçosa, na Zona da Mata. O objetivo principal da iniciativa é a valorização da beleza negra, trabalhando a autoestima de crianças e adolescentes. “Eu estudava em uma escola particular. Era a única negra do local e que tinha o cabelo crespo. Eu era bolsista, pobre, filha da faxineira. Carreguei o preconceito por toda a infância. Sofria muito e chegaram até a cortar o meu cabelo porque eu não aceitava fazer chapinha. Por isso, minha intenção é fazer com que as meninas se aceitem e se encontrem”, explicou a jovem.
O projeto começou em junho de 2013 e atualmente atende 15 meninas com idades entre sete e 15 anos do Bairro Sagrado Coração de Jesus, conhecido como morro do Rebenta Rabicho. Toda semana são realizados tratamentos para manter os cabelos crespos naturais. “Nós vamos trabalhando a beleza e fazendo com que as meninas se aceitem da forma que são. Queremos que elas tenham orgulho de seus traços e se achem bonitas”, destacou.
O projeto conta com a parceria de uma empresa de cosméticos da cidade, que cede os produtos, como shampoos e cremes. “Nós ensinamos também a hidratar o cabelo de forma natural, com maionese, cenoura, entre outros”, contou. Além disso, de dois em dois meses são realizados ensaios fotográficos, buscando quebrar a ideia de que apenas a mulher branca, magra e de cabelos lisos é bonita.
Para participar, as meninas têm que abandonar processos químicos no cabelo. Não se pode fazer nenhum tipo de alisamento. Elas também precisam estar matriculadas em uma escola. “Todas as meninas que hoje participam do projeto já tinham aplicado algum tipo de química no cabelo, inclusive as menorzinhas. Uma de nove anos, por exemplo, chegou praticamente careca”, lembrou Raissa.
A iniciativa também propõe atividades que auxiliam no desenvolvimento das meninas, como oficinas de confecção de turbantes, maquiagens e rodas de conversa, buscando resgatar os valores da cultura negra. “Nós discutimos a mulher negra na sociedade brasileira. Conversamos sobre a luta de classe e quem foram as negras. Tudo dentro de uma fala didática, em uma linguagem que as crianças entendem”, explicou Raissa. Além disso, são oferecidos acompanhamentos psicológico e pedagógico, com aulas de reforço para as crianças.
Segundo Raissa, o Pérolas Negras começa a atrair também os meninos e as mães. “A partir do momento que as meninas passam a se afirmar, a ver que são realmente bonitas, elas contagiam o ambiente. Agora já temos três meninos conosco. E estamos buscando atrair também as mães. Muitas delas são solteiras, trabalham, e não tem tempo de se cuidar. Queremos que elas se aproximem”, afirmou.
Entre os resultados positivos, as próprias meninas já fundaram um conselho com o objetivo de ajudar mais mulheres. “Elas estão se organizando. Eu só orientei. As meninas realizam eventos e começam a se inserir na atividade pública. São crianças que querem mostrar que, apesar da idade, já passaram por dificuldades e querem mudar a realidade”, comemorou a idealizadora do projeto. A estudante Gabrielly Moura, de oito anos, é uma dessas meninas e está feliz com o resultado. “Eu gosto muito. Lá eu aprendo a respeitar o próximo e várias formas de arrumar o meu cabelo. Uso arquinho, faço trancinhas e hidratação”, comentou.
Casa Cultural do Morro
Fundada em setembro de 2012, a Casa Cultural do Morro tem o objetivo de promover a inclusão cultural através de atividades artísticas. A ONG oferece diversas opções, como aulas de hip hop e capoeira,. O local não tem parceria com o governo e sobrevive de doações.
Fundada em setembro de 2012, a Casa Cultural do Morro tem o objetivo de promover a inclusão cultural através de atividades artísticas. A ONG oferece diversas opções, como aulas de hip hop e capoeira,. O local não tem parceria com o governo e sobrevive de doações.
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